Seminário “Impactos e Desafios para uma Transição Justa”, realizado pela Contraf-CUT, abordou o cenário da crise climática na América Latina e apontou saídas, que passam pelo fortalecimento das ações sindicais no diálogo com outros setores da sociedade
Não adianta urgência nas ações para conter a escalada de desastres ambientais, decorrentes da mudança climática, se elas não envolverem todos os setores da sociedade, para que as desigualdades sociais e econômicas não perdurem e se aprofundem ainda mais. Essa foi uma das conclusões do seminário “Impactos e Desafios para uma Transição Justa e Desenvolvimento Sustentável”, realizado nessa quarta-feira (8), na sede da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), na capital de São Paulo.
“A avaliação sobre como chegamos até a crise ambiental e as propostas para enfrentarmos esse cenário deixam claro a necessidade do envolvimento de todos os setores, portanto é também responsabilidade do movimento sindical, para que a humanidade consiga fazer uma transição justa, de uma economia poluente para uma economia de baixo carbono, sem prejudicar os trabalhadores”, destacou a secretária de Relações Internacionais da Contraf-CUT, Rita Berlofa.
O que é transição justa
O termo “transição justa” foi cunhado ainda nos anos 1960, pelo movimento sindical estadunidense, para garantir segurança aos trabalhadores do setor de energia nuclear, quando o governo daquele país decidiu que não mais investiria nessa fonte como fonte energética.
Na década de 1990, o movimento sindical de trabalhadores, em âmbito mundial, passou a aprofundar os debates sobre a crise ambiental, quando iniciou a bandeira da transição justa para todos os setores, na construção de um modelo econômico seguro para a sobrevivência da humanidade e da biodiversidade, ao mesmo tempo garantindo emprego digno e fim das desigualdades.
“Com o processo de transição de uma economia intensiva no uso de combustíveis fósseis e na exploração do meio ambiente para uma economia de baixo carbono e ambientalmente responsável, muitos empregos deixarão de existir e outras atividades terão que ser reformuladas, sobretudo com o aumento da inteligência artificial. Por isso, chamamos de transição justa, a transição que queremos e que deve garantir os direitos e dignidade dos trabalhadores, para que possam ser contemplados durante essa mudança”, explicou Rita Berlofa.
Na primeira mesa do evento, com o tema “Solidariedade internacional e colaboração sindical”, o assessor político da UNI Global Union, entidade que representa sindicatos de 150 países, Ben Richard, alertou que a economia mundial já está em transição, mas o processo está sendo liderado pelas grandes corporações.
“Temos que educar [a sociedade] para discutir e decidir as ações coletivas necessárias, para que os trabalhadores deem suporte para alcançarmos o futuro que queremos. Nossas ações precisam ser desenvolvidas a partir da nossa força coletiva, para que ninguém fique para traz, durante o processo de mudanças que são necessárias”, destacou.
Richard relatou que mais de 22 milhões de trabalhadores sofreram lesões por causa do calor extremo. “Os impactos da crise climática sobre a classe já são uma realidade triste”, completou, baseando-se em um relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), com dados até 2020.
Respostas precisam vir de mudanças estruturais
A uruguaia Natália Carrau, cientista política e integrante da Rede Amigos da Terra, abordou a transição justa a partir da visão da classe trabalhadora. “Aqueles que não são responsáveis, são os que mais sofrem com a crise. Por isso, temos que nos apropriar de todos os espaços de decisão, como classe trabalhadora, para que a transição considere nossas reivindicações”, resumiu.
Mas Natália Carrau elencou uma série de fatores que tornam as negociações complexas, a começar pelas Conferências das Partes, as chamadas COPs, que ocorrem de tempos em tempos, desde 1992, no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.
“Desde 1992 até hoje, os avanços nas negociações oficiais das COPs foram insuficientes, sem mudança efetiva. Daquele ano até 2019, as emissões dos principais gases causadores do efeito estufa, CO2 e metano, aumentaram 65% e 25%, respectivamente”, mostrou a cientista política.
Natália Carrau ressaltou que os avanços nunca ocorreram porque existe um problema estrutural que precisa ser resolvido antes pela humanidade: o modelo de produção e de consumo do sistema capitalista, vigente em praticamente todos os países.
“As respostas precisam partir de mudanças estruturais, nas formas de produzir, de consumir, de distribuir, de como geramos energia. Todos esses setores, do modo como são realizados hoje, são responsáveis pela crise climática”, destacou.
Sul Global tem que desenvolver saídas próprias
O argentino e diretor de trabalho e ambiente do Instituto do Mundo do Trabalho da Universidad Nacional Tres de Frebrero (UNTREF), Juan Martins Sánchez, observou que ainda não está claro, para todos os setores sociais, sejam eles governamentais ou não, como e para onde irá a transição. “O que está claro é que temos que mudar, para sobreviver”.
Apesar das incertezas, Sánchez apontou que o novo modelo de produção e trabalho precisa, invariavelmente, ter maior e melhor representatividade social para que funcione e não repita as desigualdades do modelo capitalista vigente. “O problema é que, para isso, precisamos de Estados fortes, mas esse mesmo sistema capitalista colocou em crise o crescimento econômico dos Estados e o papel deles para o bem-estar social”, lamentou.
O professor avaliou também que as discussões mais avançadas sobre transição justa estão sendo lideradas pelos países mais desenvolvidos. “Isso fica muito claro quando analisamos o documento, de 2019, da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Ali se propõe o abandono das atividades que geram impactos ambientais, responsáveis por 20% dos empregos e 90% das emissões de gases de efeito estufa, transitando para atividades com alto valor agregado, que podem gerar 90% de emprego e somente 10% de emissões. Porém, aos países desenvolvidos isso é possível, não para os países do Sul Global atualmente, que inclui América Latina e o Caribe”, acrescentou.
Ele seguiu explicando que essa proposta é uma “armadilha”, lembrando que os setores sugeridos para serem abandonados são agricultura, pesca, mineração, petróleo – todos fundamentais ainda para as economias em desenvolvimento.
“As nações mais ricas da OCDE alcançaram seu desenvolvimento já tendo explorado seus recursos naturais e de outros países. Mas para que a transição seja justa para todos, a saída não é que os países em desenvolvimento abandonem suas atividades. Temos que incorporar nessas atividades padrões sustentáveis e desenvolver tecnologias próprias e ambientalmente responsáveis. E isso inclui não depender de tecnologias de fora, o que também seria um risco ao nosso desenvolvimento e manteria nossa dependência”, completou.
Cenário brasileiro
Nos últimos anos, o Brasil testemunhou um grande aumento na devastação dos recursos naturais. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) revelam um aumento de mais de 11% na área desmatada apenas em 2022, totalizando uma perda de 10.267 km² somente na Amazônia. Porém, em 2023, primeiro ano do terceiro mandato do presidente Lula, houve uma queda na taxa consolidada de desmatamento na Amazônia de 21,8% em relação ao período anterior, sendo também a menor desde 2019.
“Com a volta de Lula ao poder, em 2023, o Brasil recuperou não apenas a esperança de sua população, mas também o protagonismo na agenda ambiental, tanto regional quanto internacionalmente”, afirmou Daniel Gaio, secretário de Meio Ambiente da Central Única dos Trabalhadores (CUT).No entanto, a defesa do meio ambiente ainda é uma batalha em andamento, envolvendo diversos atores, incluindo grandes corporações e governos de países desenvolvidos que adiam decisões cruciais para reduzir as emissões de gases de efeito estufa.
“No Brasil, enfrentamos desafios adicionais, como a influência da agenda do agronegócio e da agenda conservadora. Mais de 60% das emissões de carbono no país são provenientes do desmatamento”, destacou Gaio.
Para o dirigente, o desafio é colocar o debate sobre a transição justa e outros temas relacionados no centro do desenvolvimento, com foco na classe trabalhadora. “Atuamos para inserir a pauta da transição energética no cotidiano dos trabalhadores, pois isso deve ser parte integrante de nossa luta como classe”. Ele ressaltou a importância de garantir que as trabalhadoras e trabalhadores tenham voz e participação ativa na busca por soluções para os desafios ambientais.
Um aspecto crucial dessa discussão, para Gaio, é o mercado de crédito de carbono, que transforma a natureza em recursos, mas que, muitas vezes, falha em proporcionar os benefícios climáticos desejados. Ainda assim, o Brasil, com sua vasta área de floresta tropical, tornou-se um dos maiores receptores de recursos desse mercado.
Já o economista e coordenador de estudos e pesquisas sobre Trabalho e Meio Ambiente, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Nelson Karam, destacou que entre as saídas para a crise climática está a preservação do conhecimento dos povos originários, que, historicamente, se desenvolveram em equilíbrio com o meio ambiente.
“Como movimento sindical, deveríamos aprender com o modelo dos povos originários, no sentido de encontrar saídas que o capitalismo não nos dá”, disse, completando que não é possível discutir as reivindicações trabalhistas “desassociada da questão ambiental”.
Karam também elencou alguns pontos que precisam ser observados para que os trabalhadores avancem nas propostas de uma transição justa na economia. “Temos que considerar as diferenças entre o Norte Global e o Sul Global, com muito diálogo social. Esse é o primeiro ponto. O segundo é a necessidade de envolver outros movimentos sociais, além do sindicalista. Temos que alargar as discussões em grupo, aumentar a representatividade, para ganhar na disputa dos debates que já estão em jogo na transição”, alertou.
O economista defendeu ainda a melhora na capacidade de luta e de planos bem mais estruturados. “Não basta só boa vontade, precisamos de mais conhecimento e apresentar propostas”. Quanto a esse ponto, ele destacou a necessidade da atuação conjunta de Estado, trabalhadores e empresas, nas negociações para um mundo do trabalho ambientalmente responsável.
Karam ressaltou ainda o papel dos agentes financiadores. “Não há transição justa sem financiamento. As experiências internacionais de transição que não foram bem-sucedidas, foram barradas por falta de financiamento”, concluiu.
Diálogo social e negociação coletiva na transição justa
Renata Belzunces dos Santos, doutora pelo Programa de Pós-Graduação Integração da América Latina na Universidade de São Paulo (Prolam-USP), reforçou que a transição justa requer o envolvimento democrático de diversos atores, incluindo governo, trabalhadores e empresas, e a necessidade de recursos substanciais em níveis local, regional e nacional.
“A relação entre meio ambiente e trabalho é cada vez mais evidente, e é fundamental que a organização sindical esteja presente e atuante nesse debate, defendendo os interesses da classe trabalhadora e buscando soluções justas e sustentáveis para o futuro”, pontuou. “Por meio do diálogo social e da negociação coletiva, podemos construir um caminho rumo a uma transição justa e sustentável, enfrentando os desafios da crise climática com responsabilidade e solidariedade”, completou.
Balanço do seminário
A secretária de Políticas Sociais da Contraf-CUT, Elaine Cutis, destacou que o seminário ajudou os participantes a terem uma visão mais clara de que a crise global, por não ser um problema localizado, mas do planeta, precisa mais do que nunca da capacidade de articulação de setores de vários países. “É fundamental que a gente reúna todas as economias de outros países, para pensarmos saídas conjuntas. Porque agora a questão é vital, é de sobrevivência humana”, pontuou.
O secretário-geral da Contraf-CUT, Gustavo Tabatinga, reforçou que os trabalhadores e trabalhadoras, e não os ricos, são os mais afetados pelas mudanças climáticas. “Isso inclui a classe bancária. Então, não podemos permitir que os bancos continuem financiando setores que são responsáveis pela crise ambiental, intensivos no desmatamento e na emissão de gases de feito estufa. Tratar da transição justa é também exigir que os agentes financiadores sejam responsabilizados e invistam na economia para o desenvolvimento sustentável, para que a gente possa continuar existindo”, concluiu.
Fonte: Contraf/CUT
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