Secretário de Combate ao Racismo da Contraf-CUT acredita que pena branda é um dos principais motivos para esta triste realidade
Recentemente, diversos casos de racismo no Brasil têm ganhado grande repercussões nas redes sociais. Entretanto, mesmo com a reprovação da maioria das pessoas que publica e compartilha, isso é muito pouco para os agressores.
Um exemplo foi o vídeo da lamentável cena de racismo de um motoboy que foi entregar comida num condomínio de alto padrão aquisitivo, em Valinhos, a 85 km de São Paulo. Um homem branco xinga e humilha o jovem Matheus Pires, de 19 anos, entregador de aplicativo, e é chamando de “lixo” pelo autor do crime racial, Almeida Prado Couto, que continua em liberdade.
“Considero a pena para estes casos ainda muito brandas no Brasil: de um a três anos de prisão ou pagamento de multa, nada que um abastardo indivíduo que possa pagar um bom advogado não possa resolver para continuar livre para repetir seu ato de violência”, afirmou o secretário de Combate ao Racismo da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Almir Aguiar.
Outro caso foi do jovem negro que comprou um relógio para o Dia dos Pais no Ilha Plaza, no Rio de Janeiro, e foi agredido por dois policiais à paisana que o acusavam injustamente de furto. “São seguidos episódios de crime de racismo que não pode ficar no esquecimento”, disse o secretário.
Mais recentemente, George Louzada, diretor da escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel denunciou ter sido vítima de racismo no Supermercado Multimarket de Madureira no dia 13 de agosto, quinta-feira. O coreógrafo disse que foi perseguido por um gerente que tentou olhar o que ele tinha na bolsa. O motivo da desconfiança? A cor negra da pele de George.
“Os casos viralizaram nas redes sociais. Mas a indignação da sociedade não pode ficar apenas no mundo virtual, por mais relevante que seja a massificação destas denúncias para que as autoridades tomem as medidas legais e punam os criminosos. Setores conservadores falam tanto em impunidade, mas não quando os crimes são cometidos pela elite branca”, Salientou Almir Aguiar.
O mais estapafúrdio dos recentes episódios que confirmam a gravidade do preconceito racial no Brasil, sempre encoberto pela hipocrisia do mito da cordialidade e da democracia racial com que historicamente é tratado o tema em nosso país, foi o da juíza Inês Machalek Zarpelon, da 1ª Vara Criminal de Curitiba, que associou em sua sentença “a raça” de um homem negro ao cometimento de crimes. Natan Vieira da Paz, de 42 anos foi condenado a 14 anos de prisão por roubo, furto e associação à organização criminosa.
Um outro caso que serve de outra face da mesma moeda foi a decisão da juíza da 5ª Vara Criminal de Campinas, Lissandra Reis Ceccon, em março de 2019, que redigiu um acórdão de que um réu suspeito de latrocínio “não teria feições típicas de um ladrão”, já que “é branco com cabelo, pele e olhos claros”.
Enquanto nos EUA o caso da morte do negro George Floyd por policiais gerou contínuos protestos que inclusive contribuem ativamente para uma possível derrota no projeto de reeleição do presidente Donald Trump, no Brasil a reação é ainda tímida diante de um país em que jovens negros são as maiores vítimas da violência policial nas favelas e periferias. Entre janeiro e julho de 2019, só a Polícia do Rio de Janeiro matou 1.075 pessoas, 80% pretas. Os presídios em nosso país são a expressão da seletividade racial do sistema prisional: mais de 60% da população carcerária são de negros e negras.
Para o secretário de combate ao Racismo, é preciso entender que o recente agravamento das práticas racistas no Brasil está relacionado ao preconceito racial estrutural, fruto de políticas reacionárias de estado e de governo. “Um exemplo disso é a Política Antidrogas criada pelo então Ministro da Justiça Sérgio Moro no Governo Bolsonaro, que aprofunda a tese do encarceramento como estratégia para redução da violência e combate ao crime organizado, caminho que não deu certo em nenhuma parte do mundo. Claro, as melhores experiências de pacificação social estão na igualdade de oportunidades e na justiça social, mas as classes dirigentes brasileiras não se rendem a esta realidade porque carregam a herança histórica escravocrata da Casa Grande e Senzala.”
Segundo ele, os pobres, a maioria esmagadora negros e negras, não possuem condições financeiras para pagar bons advogados e muitos, mesmo já tendo cumprido suas penas, continuam presos porque a burocracia do estado e do poder judiciário tratam com distinção, ricos e pobres, brancos e negros.
“Quando a Advocacia Geral da União (AGU), a mando do presidente Jair Bolsonaro, passa a defender empresários milionários, todos brancos, acusados de crime por financiar sites e perfis das redes sociais que disseminam fake news, o que foi decisivo para o resultado da eleição presidencial de 2018, e todo o aparato jurídico do estado se omite inteiramente diante dos casos de racismo e nada faz para tirar pobres já com penas cumpridas da cadeia, fica explícito que o recrudescimento do racismo é resultado de uma política de governo e de estado que resulta num retrocesso sobre esta questão sem precedentes em nossa história moderna”, lembrou.
De acordo com Almir Aguiar, os seguidos casos de racismo no Brasil não podem ser admitidos com naturalidade e silêncio. “É preciso haver uma reação de toda sociedade contra estas práticas, mas também em repúdio a esta política racista que permeia parte do judiciário e é projeto ideológico da lógica de apartheid do Governo Bolsonaro e de governadores alinhados”, apontou.
“Passou da hora de todos reagirmos contra a herança histórica escravocrata e o aprofundamento do racismo no Brasil que tornou uma anomalia que é inconcebível, numa rotina na vida brasileira, sem punição e com reação inibida. A situação tornou-se insustentável. Basta de racismo”, finalizou.
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